A moda está na moda – e, mais especificamente, aquela que foi feita ao longo dos anos 1990. Isso pode ser notado pela quantidade de novas séries e filmes que têm surgido sobre personagens marcantes da área, como Balenciaga, Karl Lagerfeld, Coco Chanel e Yves Saint Laurent. Mas também existe uma tônica circulando sobre a existência de uma época de ouro na moda – e que é vista como um tempo bom que não volta nunca mais – que foi representada pelas supermodelos (como Linda Evangelista, Cindy Crawford e Naomi Campbell) e pela chegada de novos e talentosos estilistas que supostamente revolucionaram essa praia.
Disponível na Disney+, In Vogue: Anos 90 tenta retratar essa década e suas reverberações nos tempos que vieram depois. Mas faz isso destacando a centralidade da revista Vogue, uma publicação icônica comandada com mão de ferro pela lendária editora britânica Anna Wintour – e que, segundo todos os capítulos dessa série documental, seria diretamente responsável pela cultura que se difundiu durante todos os anos 1990.
São dezenas de entrevistas com muitos personagens marcantes que criaram esse “reino”. Falamos aqui de nomes como Kate Moss, Tom Ford, John Galliano, Donna Karan, além de muitos membros da equipe da Vogue. Com uma edição interessante principalmente nos primeiros capítulos (pois perde-se um pouco o vigor nos últimos, que tentam focar nas heranças dessa época da moda nos tempos atuais), In Vogue: Anos 90 é um prato cheio para quem estava lá e quer lembrar dos fatos, das roupas e dos pequenos escândalos que circularam nessa década.
Moda e cultura nos anos 1990
A série é bem interessante não apenas para quem curte moda. Ela talvez seja ainda mais atraente para os curiosos pela cultura urbana e por suas conexões com aquilo que lembramos do passado. É bem legal ver, nos seis episódios, como tendências foram pensadas pelos grandes players da moda para depois chegarem entre nós, reles mortais, sem autoria definida.
Um dos aspectos mais ricos da série da Disney+ acontece quando se aborda o quanto os estilistas eram contaminados por tendências que circulavam entre os jovens, vendo-se obrigados a lidar com o novo.
É assim que descobrimos que Tom Ford “salvou” a Gucci ao colocar uma pegada sexy em uma marca quadrada, que Alexander McQueen foi visto por muito como o mais genial dos estilistas, que Stella McCartney entrou no ramo sendo acusada de ser nepobaby, que Hillary Clinton foi acusada de ser vulgar ao fotografar para a Vogue com uma blusa sem ombros de Donna Karan, e que John Galliano se tornou famoso por desenhar um vestido icônico para a princesa Diana – e que tinha uma parte que ela não usou.
E é claro que tudo isso é atravessado pela importância (ou talvez auto-importância?) da Vogue e principalmente de Anna Wintour. A revista é posta como uma Bíblia mensal da moda e sua editora, como uma papisa. Ainda assim, vale destacar que os momentos mais interessantes da publicação são abordados pelas falas de seus muitos colaboradores, os braços de Wintour que estavam escondidos.
O destaque principal é dado às muitas falas de Edward Enninful, editor da British Vogue, aos comentários perspicazes de Tonne Goodman, editora da Vogue americana, e à diretora de arte francesa Carlyne Cerf de Dudzeele, a quem cabe os pitacos mais hilários. Um estilo altamente polêmico nos anos 90 – o grunge puxado pelas bandas de Seattle – é execrado de forma quase unânime pelo povo da moda. Mas Carlyne é que solta a pérola: “eu não gostava da ideia de parecer pobre quando você não é pobre˜.
Inclusive, um dos aspectos mais ricos da série da Disney+ acontece quando se aborda o quanto os estilistas eram contaminados por tendências que circulavam entre os jovens, vendo-se obrigados a lidar com o novo. Além do grunge, que veio das ruas e chegou às marcas, há um episódio interessantíssimo que trata sobre como a juventude negra se apropriou de marcas que não foram pensadas para ela (o que explica o sucesso de Tommy Hilfinger) e de que forma o hip-hop invadiu ambientes outrora proibidos para as pessoas pretas.
Por outro lado, há algumas fragilidades em In Vogue: Anos 90, que contemplam algum exagero e até arrogância na maneira com que a narrativa que é construída. Como se todos os fatos narrados (Tom Ford na Gucci, o vestido de Elizabeth Hurley, a camiseta customizada de Stella McCartney, as capas de Madonna e Gwyneth Paltrow na Vogue) tivessem revolucionado a moda (se tudo muda tudo, então nada parece importante). E, claro, também não dá para entender a participação, com várias falas, de Kim Kardashian na série, já que ela era só uma criança nos anos 1990.
Descontando esses pesares, In Vogue: Anos 90 pode ser uma obra bem divertida para quem curte mergulhar na nostalgia e está com saudade dessa década.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.