Aproveitando o retorno de Will & Grace à televisão depois de quase dez anos de seu final, resolvi revisitar a primeira temporada da histórica comédia. Na verdade, está mais para uma primeira visita, já que assisti a apenas alguns episódios esporádicos durante seus oito anos, o que é um pecado imenso, eu sei.
Assistir a séries feitas nos anos 90 é sempre uma experiência interessante, especialmente as comédias. O modo de se produzir seriados cômicos era bastante homogeneizado, com uma fórmula funcional de cenários fixos + piadas prontas + punchline perfeita* + risadas ao fundo.
Ainda temos várias séries seguindo essa estrutura, mas o número diminuiu consideravelmente, já que este estilo não se sustenta mais na TV por tanto tempo… tirando The Big Bang Theory, que parece eterna. É por isso que algumas séries envelhecem mal e, vendo nos dias de hoje, é possível sentir uma fragilidade no texto que chega a ser constrangedor. Não parece ser o caso de Will & Grace, ao menos em seus 22 primeiros episódios. É verdade que determinadas cenas e diálogos soam forçados e datados, mas os acertos são infinitamente maiores do que os excessos.
Para quem não conhece a história, um breve resumo. A série, criada por David Kohan e Max Mutchnick em 1998, gira em torno da relação de Will Truman (Eric McCormack), um advogado gay, e sua melhor amiga, Grace Adler ( Debra Messing), uma decoradora de interiores hétero. Os dois vivem acompanhados de seus amigos Karen Walker (Megan Mullally), uma socialite riquíssima, que vive bebendo e “trabalha” para Grace apenas por hobby, e Jack McFarland (Sean Hayes), um aspirante a ator gay.
Mesmo no meio de risadas, a série abria caminho para a representatividade.
A informação de que eles são gays ou héteros é importante para entender por que a série foi tão marcante. Basta lembrar que, um ano antes de Will & Grace estrear, Ellen DeGeneres fez história na TV ao tirar do armário tanto sua personagem quanto a própria atriz, em um famoso episódio da série Ellen, exibida pela ABC. Depois disso, o programa viu sua audiência despencar. O público ainda era muito conservador para uma personagem homossexual tomar conta do horário nobre.
Um ano depois, chega Will & Grace, na emisorra NBC, para falar abertamente sobre homossexualidade, sexo, cultura gay e tudo aquilo que os norte-americanos conservadores reprovavam. Poderia ter sido um desastre, mas não foi. A audiência do primeiro já foi bastante sólida, ainda que a crítica tenha torcido o nariz para a forma como os gays estavam sendo representados na tela, um tanto quanto estereotipados. Pode até ser, mas as situações apresentadas ali jamais soam ofensivas, sendo que quando os próprias personagens agem de uma forma preconceituosa, o programa consegue nos fazer rir deles e não com eles.
Parte do sucesso deste primeiro ano se deve à perfeita interação entre os atores. Os protagonistas realmente parecem amigos de longa data sem forçar a barra e os coadjuvantes acertam o tom em todas as cenas, especialmente a hilária Karen, que tece comentários com um nível de sinceridade que eu ou você poderíamos pensar de todo mundo. Jack é outro ótimo personagem que fala o que nós estamos pensando sobre a própria série ou determinadas situações. Os dois funcionam perfeitamente juntos e, mesmo parecendo os mais imaturos e infantis, são os que na verdade conseguem enxergar melhor tudo o que ocorre ao redor,
Outro fator para o sucesso é o texto esperto e perspicaz, que continua surpreendentemente atual. Se hoje em dia falar sobre homossexualidade no horário nobre ainda causa comentários maldosos por aí, em 1998 era bem pior, mas Will & Grace mergulhou em questões simples, engraçadas e pertinentes, como amizades entre gays e héteros ou a relutância de homens gays mais, hum, reservados, se relacionarem com homens mais efeminados. Mesmo no meio de risadas, a série abria caminho para a representatividade, algo que os roteiristas foram construindo ainda mais ao longo dos anos. Mesmo em tom cômico, Will & Grace humanizava seus personagens os colocando em lugar de destaque.
Com poucos vícios de comédia um pouco over para os dias de hoje, o primeiro ano de Will & Grace já nasce com a proeza de ser uma série madura e segura do que quer dizer. Em breve, a coluna “Olhar em Série” analisará o segundo ano. E já estou ansioso.
*Punchline: é a parte final de uma piada ou interpretação (segmento) cômica(o); geralmente essa palavra, frase ou conjunto de frases têm a intenção de ser engraçada e de provocar gargalhadas nos ouvintes.