Quando pequena, Aline Bei passou pela experiência de segurar um pássaro que morreu em suas mãos. Para essa ave, a escritora paulista dedica seu primeiro romance, O Peso do Pássaro Morto, publicado em 2017 pela editora Nós em parceria com o selo Edith. Além da referência no título, a dedicatória diz: “ao canário que, / Assustado em caber na palma, / morreu na minha mão”.
Em seu livro, Aline Bei conta a história de uma mulher de acordo com os momentos mais marcantes (muitas vezes, traumáticos) da sua vida, dos 8 anos até os instantes póstumos. Como fotografias ou clipes, as situações constroem uma linha do tempo poética, bruta e bela que evidenciam experiências de amor, medo, solidão e morte.
Por não ter nome, diversas interpretações do romance destacaram a força da narrativa para representar a violência que atinge as mulheres. O texto da Marilia Kubota aqui na Escotilha e o da Renata Arruda na Revista O Grito! – que vem junto com uma entrevista com a autora – mostram como a voz da narradora pode ser interpretada como uma voz geral que retrata o sofrimento das mulheres, principalmente no que tange ao estupro e à maternidade.
Em seu livro, Aline Bei conta a história de uma mulher de acordo com os momentos mais marcantes (muitas vezes, traumáticos) da sua vida, dos 8 anos até os instantes póstumos. Como fotografias ou clipes, as situações constroem uma linha do tempo poética, bruta e bela que evidenciam experiências de amor, medo, solidão e morte.
Esses dois textos são bons exemplos para essa interpretação do romance de Aline Bei. Para colaborar com a discussão, pretendo abordar o estilo da escrita. Em O Peso do Pássaro Morto, Aline revela uma prosa poética (estilo que quebra as regras da prosa clássica e mescla ao texto questões da poesia) tanto em sua forma, como ao distribuir as palavras pela página, quanto no texto e a sua linguagem.
Como disse Marília em seu texto, “a estrutura formal rompe com a norma, levando a pensar sobre a função dos vazios dentro da narrativa. (…) A estrutura que rompe com a paragrafação e pontuação narrativa informa sobre o vazio, o silêncio, as rupturas de linguagem e a interdição de falas”. É uma narrativa marcada pelo espaço vazio na página, nas relações sociais e os afetos, e pelos silêncios da personagem naquilo que ela não conta aos outros ou ao leitor.
A leitura lembra a história da Macabéa de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. Neste livro, acompanhamos a alagoana pelo olhar do narrador Rodrigo, que esmiúça a existência deslocada e solitária dessa mulher ao mesmo tempo em que reflete sobre o próprio ato de escrita (se quiser saber um pouco mais sobre esse livro, eu escrevi uma resenha sobre ele aqui).
A aproximação das duas histórias acontece nessa narrativa de alguém só em busca de relações significativas, ainda que o seu entorno não lhe forneça possibilidades – com exceção dos momentos próximos ao fim da vida. Além disso, o ar de Rodrigo e o seu exercício de pensar sobre a escrita permeia a narrativa dessa personagem – junto com a reflexão sobre o estilo narrativo exposto no livro.
Para finalizar, é interessante refletir sobre a resposta que Aline Bei dá para Renata Arruda no texto citado anteriormente. Renata pergunta: “O seu texto é um híbrido de prosa e poesia, tanto na linguagem quanto na forma. Quando começou a experimentar escrever dessa forma e perceber que funcionava? Você também escreve poemas? Tem desejo de escrever um livro de poemas no futuro?”.
Para isso, Aline responde: “não penso muito em gênero quando escrevo. esse estilo de dizer na página nasceu de forma espontânea e desde então tenho investigado as possibilidades rítmicas e imagéticas que essas quebras proporcionam na minha narrativa./ nunca escrevi poemas./ acredito que a Poesia é algo raro.”
O PESO DO PÁSSARO MORTO | Aline Bei
Editora: Nós;
Tamanho: 168 págs.;
Lançamento: Junho, 2017.