A história diz que o grafite teve seu surgimento por volta dos anos 70 na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, e que foi trazido para o Brasil logo em seguida, ao final da mesma década.
Segundo o Dicionário Aurélio, pichar é o ato de “escrever ou desenhar em grandes superfícies como muros ou paredes”. Mas para seus disseminadores, o ato vai mais além, e chega ao patamar de poder reafirmar-se enquanto artista e manifestante ativo.
Apesar de fazer parte do cotidiano de centros urbanos, as manifestações visuais pintadas e coladas nas paredes e muros recebem diferentes olhares do público, que geralmente o diferencia entre picho e grafite, onde o primeiro é popularmente conhecido como vandalismo e o segundo como arte urbana, nesse meio surge, ainda, uma terceira intervenção, o lambe-lambe, que além de ser considerado arte por seus criadores, também é utilizado como forma de divulgação de eventos culturais e serviços variados.
Independente das críticas ou posicionamento a respeito do que vem a ser ou não arte, quem caminha pelo centro de Curitiba já deve ter esbarrado por pequenos poemas assinados com a sigla G.L. em portas, postes, muros ou prédios abandonados.
Giovanna Lima, que também é jornalista e escritora, ficou conhecida nas redes sociais pela repercussão de pessoas que passavam por suas palavras e as fotografavam para as redes, mas mesmo com a aparente aceitação do público com seus poemas, não foi isentada de represálias e, até mesmo, perseguição no meio digital por causa do escrito “De que serve o eufemismo? / ninguém é salvo / do derradeiro abismo”, no qual precisou responder por crime ambiental judicialmente.
Em 2017, a multa para quem for pego pichando patrimônios públicos sofreu aumento votado pelos vereadores da capital paranaense, a qual, hoje, pode ser de até R$ 10.000,00.
O medo de ser repreendido ou preso deixa quem pratica as manifestações atento, mas para Giovanna existe um propósito muito maior por trás das suas palavras.
Para ela, interagir com o espaço que habita é um direito de todo ser humano. “A rua é muito rica, tanto quanto, ou, até mais que uma galeria. Você não precisa que alguém legitime o que você tem a dizer ou o que você quer mostrar para ocupá-la. E o que você faz pode ser visto de graça, por todo mundo. Além disso, a rua é um local democrático. Qualquer um pode ter acesso ao que está ali. Eu nunca fui tão lida quanto na rua”.

Se para a população só o grafite é visto como uma maneira de embelezar os grandes centros, os artistas da arte ilegal veem o movimento também como uma maneira de se auto afirmar para a sociedade, colocando-se como um ator político que compartilha e recria o espaço urbano. Assim, a designer gráfica e tatuadora Anita Ferreira, 27, criou sua primeira tag com a escrita “atenta e forte”, pintou e pinta cidade a fora.
‘É uma maneira de muita gente se colocar e se ver dentro desse mundo bizarro. Gente que é esquecida, negligenciada, violentada em várias esferas mas que se faz ser visto ou pelo menos lembrado, mesmo que à revelia de quem tá no topo.’
“Era um lembrete para mim mesma que não dá para fraquejar ou dar chance para os vacilos da vida. Fora que é uma expressão artística de muito respeito. Pois chega em você durante o caminho pro trampo, de volta pra casa. Que te instiga de graça e que está aí para quem quiser ver. É uma maneira de muita gente se colocar e se ver dentro desse mundo bizarro. Gente que é esquecida, negligenciada, violentada em várias esferas mas que se faz ser visto ou pelo menos lembrado, mesmo que à revelia de quem tá no topo”, relata a artista.
Junto de Anita, Giovanna e tantos outros nomes ocultos das ruas, está a artista visual Yasmin Faria, 26, que se encontrou na arte de rua há cerca de três anos, por também acreditar que esta é uma galeria a céu aberto, onde ela consegue conversar diretamente com o público que pretende atender, pessoas vulneráveis e minorias.
Mesmo sem ganhar dinheiro com o que faz, suas motivações se sobressaem perante a negligência artística. “Com a arte consigo transformar a realidade das pessoas, expandir seu olhar perante o mundo. Digo que minha militância se dá através da arte de rua. Porque através dela abordo temas necessários no mundo contemporâneo”, explica.

Por meio dos lambes, Yasmin se preocupa em dar acesso a quem ela acredita ser esquecido. Se a colagem leva beleza, então vai para ruínas e lugares abandonados, “gosto que sejam um detalhe em meio ao que as pessoas já não enxergam mais”, diz. Mas quando é informativo, o papel ganha mais destaque e é colado em locais de fácil acesso, como perto de bares e restaurante.
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