Analisar Rupi Kaur não é tarefa fácil por inúmeros motivos, mas o principal é que seu nome gera acaloradas discussões entre os que são fascinados por sua poesia e os que a encaram como um produto literário menor. Talvez o principal erro, em ambos os lados, esteja em encarar uma poesia propositadamente feita para as massas, que na era das redes sociais tomou de assalto cada canto por sua estrutura reduzida, fácil de ser reproduzida em diferentes meios em que o poder de síntese é fundamental na transmissão de mensagens.
Não é juízo de valor dizer que a poesia de Kaur tornou-se um produto de mercado justamente por ser uma obra mais leve, com menor pretensão de evocar reflexões filosóficas e mais por evocar a identificação. Em o que o sol faz com as flores, Rupi Kaur se debruça sobre um dos elementos mais difíceis de serem elaborados por um poeta: o amor. Digo que acredito ser um exercício difícil por ser um dos temas mais triviais que existem desde que o primeiro poeta pegou uma pena e investiu em escrever.
O início da obra é ligeiramente complicado, menos pelo uso de métricas ou estilos mais rebuscados e mais por dar a sensação de que estamos diante de poemas baseados em senso comum. Passada essa barreira inicial, é interessante ver que a autora usa o ciclo de vida das flores como metáfora para falar de sua própria vida. Ela estruturou o que o sol faz com as flores (Planeta, 2018; tradução de Ana Guadalupe) em cinco capítulos, ilustrados pela própria Kaur: “murchar”, “cair”, “enraizar”, “crescer” e “florescer”.
A partir de “murchar”, a autora nos oferece um desmoronamento, a sensação de confronto com o vazio, estar só, e a maneira como a mente nos engana, forçando-nos que não paremos de pensar, questionar e, até mesmo, sentir raiva do que somos/fizemos. Em “cair”, Rupi procurar recuperar o controle sobre si. Esta queda metafórica é, também, a possibilidade de confrontar o que você sente em relação a si próprio. “enraizar” lança olhar ao que está em torno, de que forma as coisas que acontecem no mundo nos afetam.
Obviamente, a autora escreve tendo como ponto de partida seu próprio universo, a família e cultura em que cresceu – não faltam poemas escritos para sua mãe, inclusive. Já em “crescer”, Kaur perpassa a superação de suas lutas, mostra como é possível tornar-se não apenas uma pessoa melhor, mas alguém mais forte quando você é capaz de encarar seu passado. Por fim, “florescer” oferece uma poeta mais positiva frente a vida, motivadora e fonte de inspiração.
O grande mérito no livro é que Rupi Kaur mergulha em temas espinhosos com uma descrição precisa de traumas e sofrimentos facilmente identificáveis pelas mulheres.
Claro que essa tentativa de descrever o que cada capítulo transmite é bastante limitada, mas é certamente fácil dizer que o grande mérito no livro é que Rupi Kaur mergulha em temas espinhosos com uma descrição precisa de traumas e sofrimentos facilmente identificáveis pelas mulheres. E se nem tudo a própria autora tiver vivenciado, ainda assim a maneira como compreende e traduz em versos a experiência de ser mulher no mundo contemporâneo é digna de mérito. Impossível não entender como as mulheres conseguem se ver refletidas nas páginas de Rupi. Tudo começa como uma simples identificação e se ramifica de maneira quase ideológica.
Não a chamaria de um primor da literatura, mas certamente estamos diante de alguém cuja poesia é honesta, especialmente por não esconder suas pretensões e com quem é seu compromisso. E não me furtaria em apontá-la como porta de entrada para outras e outros poetas, obviamente mais complexos e com estilo mais rebuscado. Poesia popular, os instapoets (sugiro o documentário #poetry, que já foi tema de discussão aqui na Escotilha), bem, ainda é poesia, mesmo que você torça o nariz para isso.
O QUE O SOL FAZ COM AS FLORES | Rupi Kaur
Editora: Planeta;
Tradução: Ana Guadalupe;
Tamanho: 256 págs.;
Lançamento: Fevereiro, 2018.
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