Falar da paixão dos brasileiros por novelas é praticamente chover no molhado – e o sucesso de folhetins recentes, como Pantanal e Vai na Fé, ambos da Globo, mostram que essa relação de amor está longe de se esgotar. Por isso, a série Novela, produção do Porta dos Fundos disponível na Amazon Prime, chega em bom momento para lembrar que é possível (ainda!) rir do nosso gosto por esse formato.
Digo isso porque as telenovelas são baseadas sobretudo na repetição, na aposta em reforçar aquilo que nos é familiar. E é justamente isso o que sustenta o tom cômico no texto elaborado por Gabriel Esteves e Valentina Castello Branco: na exposição dos estereótipos mais batidos associados ao gênero.
Mas há, claro, a oxigenação provocada pela ideia central: a de uma novelista arrojada, Isabel (Monica Iozzi), que é contratada para escrever uma novela para Lauro (Miguel Falabella), mas que tem sua trama roubada sem levar os créditos. Quando Rebote do Destino vai finalmente ao ar, ela tem tudo o que Isabel mais detesta dentro das novelas: enredos previsíveis, tramas batidas (do tipo gêmeo bom e gêmeo mau e mortes forjadas) e, claro, uma estética absolutamente kitsch e focada no estilo de vida dos ricos e famosos.
Quando Isabel descobre que foi passada para trás, algo acaba acontecendo com ela: é “sugada” para dentro da TV e passa a viver dentro da novela que escreveu. Agora, o desafio vai ser descobrir como fugir da ficção e voltar para a vida normal.
‘Novela’: uma homenagem divertida ao gênero popular
Ok, não é exatamente uma ideia inovadora colocar o autor dentro de um produto audiovisual. Mas pode-se dizer que isso é feito com graça e certa originalidade na trama de Novela. Para começar, a série claramente dialoga com uma memória afetiva dos brasileiros com os incontáveis folhetins que marcaram a sua vida – sobretudo, os clássicos dos anos 80 e 90 na Globo.
A principal fragilidade da série é que ela acaba se fiando mais em promover o reconhecimento do passado das novelas do que em arrancar gargalhadas do público.
A principal graça de Novela talvez seja ir captando essas referências. A mais divertida provavelmente é a que remonta à maravilhosa cena de A Guerra dos Sexos, de 1983, em que os primos Charlô (Fernanda Montenegro) e Otávio (Paulo Autran), que se odeiam, tomam um café enquanto vão jogando comida na cara um do outro (veja abaixo).
Isso vai tornando a série num pastiche em que a graça é justamente identificar as homenagens ao longo dos episódios, quase como se fosse um jogo. Há menções a Pai Herói, à cena final da banana para o Brasil em Vale Tudo. E, com alguma imaginação, dá ainda para captar alusões estéticas a obras cinematográficas (como a enfermeira sensual de Daryl Hannah em Kill Bill ou as mulheres apagadas sendo empurradas em cadeira de rodas em Fale com Ela, de Pedro Almodóvar).

Outro fator que vai contemplar os noveleiros é a presença no elenco de atores ícones dos anos 80 e 90, como o próprio Miguel Falabella (tido como um autor de folhetins do horário das 19, voltados ao humor), mas também Suzy Rêgo, Herson Capri e Tarcísio Filho (em uma homenagem acidental ao pai, Tarcísio Meira, galã inconteste de novelas).
O resultado é divertido, embora não exatamente brilhante. Em boa parte dos momentos, falta a Novela aquilo que é crucial neste tipo de seriado: graça. O fim dos oito episódios parece um tanto jogado, deixando um gancho claro (talvez demais) para nova temporada. Mas penso que a principal fragilidade da série do Porta dos Fundos é que ela acaba se fiando mais em promover o reconhecimento do passado das novelas do que em arrancar gargalhadas do público.
Entretanto, é preciso fazer jus à entrega dos atores ao projeto. Em especial, os dois protagonistas, Monica Iozzi e Miguel Falabella, estão propositadamente exagerados como a autora cult/ cínica e o autor abusivo.
Considero injusto não destacar dois atores que trazem um brilho a mais para Novela: Marcello Antony, bastante divertido como os gêmeos Geraldo e Inácio (especialmente quando aparece com uma peruca ridícula), e a sensacional Yara de Novaes, uma atriz mais conhecida no teatro e no cinema, como uma típica megera de novelão mexicano. Para quem curte uma trama exagerada e desfruta do prazer dos recursos da metalinguagem, Novela é um deleite.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.